Esta quadra festiva que, por todo o arquipélago, intensamente, o povo vive, não deixa de me surpreender.
Se bem que hoje, impérios e coroações já não tenham como causa próxima os cataclismos que, duramente, abalaram estas ilhas, seus habitantes e fazendas, outras razões e motivações religiosas há, ligadas ao sofrimento humano, que mantêm a devoção ao Espírito Santo e o cumprimento das promessas de agradecimento ao Divino.
Não vale a pena tentar entender as motivações profundas desses compromissos. Estão ligados à crença ou à fé, dois conceitos diferentes que, por vezes, se confundem nas celebrações festivas e na religiosidade dos açorianos.
A semana última, constituiu um tempo celebrativo em todas as ilhas. Diferentes entre si e, por vezes, em cada uma delas, há formas típicas de celebrar o Espírito Santo. Pode constatar-se isso na religiosidade popular, nas cantigas dos foliões e na indumentária dos participantes nos cortejos, no modo de confecionar as sopas e a carne das refeições cujos sabores e condimentos variam de terra para terra, no formato e no paladar do pão de massa sovada para distribuir nos impérios, ou no destinado às sopas dos jantares e bodos de leite e também na terminologia utilizada. A cultura e os falares das ilhas integram no seu vocabulário expressões e termos que denotam diferenças que enriquecem esta multi-secular tradição.
Com o rodar do tempo, porém, mantem-se o espírito solidário e de entreajuda para com os que cumprem as suas promessas.
Ser mordomo de um império, levar a corôa e dar um jantar do Espírito Santo é, reconhecidamente, um encargo muito dispendioso. Mesmo para os lavradores. Quem não tem gado, é auxiliado por amigos que, ao longo do ano, se prestam a tratar dos animais para a festa. A solidariedade revela-se, também, na ajuda de mulheres e na oferta de farinha, açúcar e ovos para o pão e de vinho para o jantar.
Na ilha do Pico, e segundo um levantamente efectuado por semanários locais, a partir de 11 de Junho e até o próximo mês, vão ser « levantados » (termo popular que designa a realização de impérios e de coroações) 45 impérios.
Nos jantares das sopas, alguns servidos em salões com capacidade para um milhar de convidados, estima-se que participem cerca de 21 mil pessoas. Sem contar com a distribuição gratuita de dezenas de milhar de rosquilhas e pão de massa d'ovos e bolos de véspera, oferecidos pelos irmãos dos impérios do Domingo, segunda e terça feiras e domingo da Trindade, e por São Pedro, nas Lajes e São Mateus, em 21 de Setembro.
Esta partilha alegre e voluntária de bens tem como exemplo os dons e graças do Espírito Santo a quem o povo recorre nas horas de angústia e dificuldade.
Apregoa-se, aos quatro ventos, « terríveis dificuldades para os próximos dois anos », mas o povo, nas suas convicções religiosas, pareçe indiferente a esses maus presságios. A sua vida sempre conheceu tempos difíceis, devido aos invernos rigorosos e às intempéries, às dificuldade no acesso aos cuidados de saúde diferenciados, à ausência de trabalho adequado aos jovens com formação, etc.
Os que menos têm, vivem, há muito, em crise e não sentirão na carne grande diferença. São estes, normalmente, que mais recorrem à proteção do Espírito Santo que não os abandona. (« Pois se meu Pai cuida das aves do céu?... »)
A Fé dos crentes, permite olhar, de forma diferente, o mundo e as agruras da vida, levando à prática da solidariedade e da partilha de bens.
Esta é a grande lição que o mundo ganancioso do dinheiro deve retirar para que a humanidade supere as dificuldades e viva mais feliz.
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